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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Fotometria básica, consequências e o papel do fotógrafo

O que é fotometria? A palavra significa basicamente medição da luz. Toda cena tem um valor de fotometria, mesmo que seja a superfície do sol (absurdamente alto) ao mais negro buraco negro (que deve ser zero, mas tem). Claro que fotógrafos não lidam com os casos extremos citados acima, mas lidam com cenas, naturalmente ou artificialmente iluminadas, tendo ou não controle sobre esta iluminação.

A medição da luz é que vai ditar um ponto para se equilibrar os parâmetros de exposição: sensibilidade do filme/sensor, abertura e tempo de exposição.

Mas o que são estes parâmetros? Quais são as consequências de cada um deles? Como escolher os valores de cada um deles? E qual é o papel do fotógrafo nisto.

Antes de tudo:

"Nada neste mundo fica impune. Tudo tem consequências. Quando você tem noção das consequências de cada uma das suas ações e escolhas, pode usar até as consequências a seu favor."

A balança de pesos

Existe um tipo de balança na qual você compara pesos. Ela se parece com uma gangorra. Quando se coloca mais peso de um lado, tem colocar mais peso do outro, para equilibrar. Elas são muito usadas em feiras livres devido a sua simplicidade de uso.

A luz de uma cena

A iluminação de uma cena, e quanto os objetos desta cena refletem esta iluminação, ditam um valor de exposição, que seria parecido com o ponto de equilíbrio da balança. Mas este ponto de exposição pode ter um gosto pessoal, um detalhe técnico etc. Por exemplo: uma garça branca, ou um vestido de noiva, ao sol, são tão brilhantes que podem se tornar uma mancha branca sem detalhes, estourando. Então se faz a fotometria da foto para não se perder os detalhes do vestido de noiva ou da garça, e depois, no tratamento, se traz  resto da cena que ficou subexposto.

Em alguns casos, como fotos de produtos, pode-se superexpor o produto, sem estourar, para ter uma melhor relação sinal/ruído. Nestes casos pode-se até, intencionalmente, estourar o fundo branco.

Eu já subexpus uma cena propositalmente para fazer parecer que não tinha amanhecido tanto, que ainda estava começando a amanhecer.

Então, mesmo que a medição diga uma coisa, existe o julgamento do fotógrafo, se valendo de dados e de sua experiência, para conseguir o resultado desejado, que depende do gosto pessoal e/ou objetivo da foto. Isto por si só já dá um curso de fotografia.

Até a forma de medir a fotometria  depende de cada caso, e o fotógrafo pode, dependendo do caso, realmente estourar e/ou subexpor partes da cena em favor de outra.

Fundo estourado, superexposto até perder informação, em favor do padrão do portão de madeira.

Foto intencionalmente subexposta em 2 pontos para parecer mais cedo do que era na realidade.

Alterando o ponto de exposição

O fotógrafo ainda tem, pelo menos, dois modos de alterar a exposição. Um é colocando mais luz, com flash, com luzes artificiais, rebatedores etc. Em estúdio com luz artificial existe um grande controle da luz, mas em paisagens não se tem este controle. O outro é com filtros colocados na frente da lente para diminuir a luz que chega à lente.

Parâmetros de exposição

O fotógrafo tem três parâmetros para equilibrar até chegar ao ponto necessário, ou desejado, da exposição: sensibilidade do filme/sensor, abertura e tempo de exposição. Mas cada um deles traz as suas consequências, e saber usar estas consequências ajuda a ser um bom fotógrafo.

Tem vezes que o fotógrafo usa uma das consequências propositalmente, fixando um parâmetro em um valor, e lida com os outros parâmetros para obter a exposição desejada.

Abertura

Toda lente tem um tamanho frontal, do primeiro elemento ótico, que de certa forma dita quanta luz ela é capaz de receber. Quanto maior for, mais luz pode receber, e maior poderá ser a abertura máxima. Mas quase todas as lentes ainda tem um diafragma dentro, que controla a quantidade de luz que atravessa a lente, controlando a abertura. A abertura é medida pela unidade número F. Quanto maior o número F, mais fechado fica o diafragma, e menos luz entra. Quanto menor o número F, mais aberto fica o diafragma.

O número F é o denominador de uma fração, e é relacionado à distância focal da lente e o diâmetro da abertura do diafragma.

Como a quantidade de luz é proporcional à área do diafragma, então multiplicar o número F por dois (por exemplo, mudar de F4 para F8), implica em reduzir a luz que entra para 1/4 do que entrava antes. Se dividir por raiz quadrada de dois (1.4 aproximadamente), dobrará a quantidade de luz recebida (por exemplo, de F4 passar para F2.8). Como pode ver, é inversamente quadrático.

Consequências? Claro que tem consequências. Se usar uma abertura grande terá uma pequena profundidade de campo, fazendo fotos com fundo desfocado e, por vezes, até parte do motivo desfocado. Mas entrará mais luz.

Observe um olho em foco e outro fora de foco. A profundidade de campo da 50mm F1.4 é bem curta, quando usada toda aberta como neste caso. Aqui foi explorada a profundidade de campo curta e a quantidade de luz que entra na lente, para fazer a sessão de fotos somente com a iluminação normal da sala do apartamento. Aqui as duas consequências da grande abertura eram desejadas, coisa que nem sempre acontece.

Se fechar muito o diafragma terá uma grande profundidade de campo, podendo até manter o objeto e o fundo em foco, mas como consequência entrará bem menos luz, e terá que compensar isto com os outros parâmetros de exposição.

Aqui o fotógrafo tem que escolher entre a quantidade de luz que passa pela lente e o que fica em foco e fora de foco (e o nível de desfoque).

Show do Lenine na abertura da FLIP 2012. Podem não acreditar, mas esta foto foi feita através de uma grade usando uma tele-ojbetiva. O desfoque da grade ficou tão forte que a grade desapareceu.

Tempo de exposição

É o tempo no qual o sensor/filme recebe luz. Quanto mais tempo, mais luz receberá. Quanto menos tempo, menos luz receberá. Isto se usar a mesma abertura nos casos.

É linear, i.e., se dobrar o tempo, dobrará a quantidade de luz recebida.

Consequências? Muitas. Se o tempo passar de um certo valor, por exemplo, 1/20 de segundo com uma lente 50mm, dificilmente conseguirá muitas fotos perfeitamente nítidas à mão. Os estabilizadores óticos ajudam, mas até um certo ponto. Depois, só com ajuda de tripé ou apoios.

Tempos muito longos fazem com que objetos em movimento fiquem borrados, e até sumam ou quase sumam.

Câmeras tem um tempo mínimo no qual o obturador fica todo aberto, e com tempos menores que este ele não chega a ficar completamente aberto. Quando o tempo é muito curto, as duas cortinas andam próximas, a primeira abrindo para a exposição e a segunda terminando a exposição. Pode-se ver isto nos vídeos indicados no artigo SLRs em ação, por dentro. Uma consequência pode ser objetos em alta velocidade ficarem deformados, como hélices ficando curvas.

De novo tem escolhas, como congelamento da imagem, objetos em movimento borrados, usar ou não apoios ou tripés, nitidez etc.

Esta foto foi com 4 minutos de exposição. Foi feita durante a noite, enquanto os carros passavam nesta ponte. A lua cheia e o longo tempo de exposição garantiram que a paisagem de fundo aparecesse na foto. Os carros que passavam na ponte montaram os rastros de luz e a iluminaram fortemente. Os carros em si não marcaram a foto, pois eram pouca luz passando em pouco tempo, mas os seus faróis eram fontes intensas de luz, marcando a foto. O tripé foi absolutamente indispensável.

O tempo de 1/4 de segundo garantiu que o menino fizesse a volta quase completa com o brinquedo que emite luz, e assim, a luz do brinquedo fizesse quase o círculo completo.


Este helicóptero tinha acabado de decolar e acelerava para levar uma pessoa gravemente doente para outro lugar. O tempo de 1/1000 de segundo quase congelou a hélice em alta rotação. Note que ela está com uma pequena deformação, não está reta. Isto é efeito do movimento das duas cortinas do obturador se movendo próximas uma da outra e de objetos se movendo em alta velocidade perpendicularmente ao movimento das cortinas.

Sensibilidade

Também conhecida atualmente como valor ISO. Tem duas escalas, a mais usada é equivalente ao antigo ASA, que é linear.

Tem consequências diferentes para o filme e o sensor eletrônico.

No filme, o aumento de sensibilidade provoca o aumento do grão, mas isto varia de acordo com o tipo de filme.

No sensor eletrônico, como nas câmeras digitais, o aumento de sensibilidade provoca o aumento do ruído na imagem e normalmente também a perda de faixa dinâmica (capacidade de representar diferença entre claros e escuros). Basicamente, o aumento da sensibilidade se dá aumentando o ganho do amplificador de sinal do sensor, antes de entregar este sinal ao digitalizador, aumentando junto o ruído (Sim, o sensor de uma câmera digital é analógico.).

Limitações dos equipamentos

Todo equipamento é limitado. As câmeras tem um tempo máximo e um mínimo de exposição. As lentes tem aberturas máximas e mínimas. Os estabilizadores de imagem tem limites de movimento, e de tempo de exposição, que conseguem compensar bem. Os filmes impõe seus grãos. As sensibilidades tem seus ruídos nas câmeras digitais. Etc.

Conheça os limites do seu equipamento, e seja inventivo para até mesmo superar estes limites, ou explorá-los.

Aqui o panning foi meio por necessidade. Quando fiz a medição vi que o tempo de exposição era longo demais (1/5s) para congelar os movimentos que aconteciam. Eu estava lidando com a limitação do equipamento, limitação de tempo para reconfigurar a câmera (aumentar o ISO, por exemplo), e mais a situação que acontecia na minha frente. Logo o andor entraria na igreja e terminaria a chance de fotografar o símbolo da procissão. Existia a necessidade de agir rapidamente. A solução foi fazer panning, acompanhar o andor, e fazer a foto. ISO 400, 1/5s, F2.8, câmera Panasonic Lumix FZ28. Acima do ISO 400 o nível de ruído sobe muito nesta câmera.

Voltando a balança

Dá para notar que existem 3 fatores para equilibrar, como uma balança imaginária de 3 pontas, para ajustar a exposição. Se aumentar o peso em uma das pontas, terá que alterar o peso em uma, ou nas duas outras, pontas para manter o equilíbrio, mantendo a exposição. Mas qualquer modificação, mesmo com as outras modificações que se faça para manter o equilíbrio (o ponto de exposição), outros fatores - como nitidez, congelamento da imagem, ruído, profundidade de campo etc - sofrerão consequências.

Uma tabela de exemplo

Digamos que estamos com uma lente 50mm F1.4, que faz até F16, a câmera faz ISOs 100, 200, 400, 800, 1600 e 3200, tem como tempo mínimo de exposição de 1/4000s, e a cena pede algo como F4.0, ISO 400 e 1/100s de exposição. Então teríamos o seguinte conjunto de exposições equivalentes:

100 200 400 800 1600 3200
F1.4 1/200s 1/400s 1/800s 1/1600s 1/3200s 1/4000s*
F2 1/100s 1/200s 1/400s 1/800s 1/1600s 1/3200s
F2.8 1/50s 1/100s 1/200s 1/400s 1/800s 1/1600s
F4.0 1/25s 1/50s 1/100s 1/200s 1/400s 1/800s
F5.6 1/13s 1/25s 1/50s 1/100s 1/200s 1/400s
F8.0 1/6s 1/13s 1/25s 1/50s 1/100s 1/200s
F11 1/3s 1/6s 1/13s 1/25s 1/50s 1/100s
F16 1/1.6s 1/3s 1/6s 1/13s 1/25s 1/50s

* O tempo de exposição mínimo foi atingido, e a foto ficará superexposta, pois aqui era necessário um tempo de 1/6400s para fazer a exposição correta.

Note que este exemplo tem desde velocidades altíssimas (tempos de exposição bem curtos), do tipo que congela movimentos, até tempos que exigem uso de tripé.

Qual é que o fotógrafo deve escolher? Depende do que quer fazer. Quer movimentos congelados? Quer um baixo ruído? Pode usar tripé? Quer fazer panning? Quer movimentos borrados? Quer profundidade de campo curta? Quer desfoque de fundo? Quer muita profundidade de campo (ou tudo em foco)? Ou uma profundidade mais ou menos? Quer deformar objetos com o movimento? Quer rastros de luz? Etc... Etc... Etc...

Modo automático

O modo automático das câmeras tenta, normalmente, fugir dos extremos, ficando no meio de cada um dos parâmetros de exposição. Assim não explora as consequências dos limites. Na tabela de exemplo acima, ele escolheria um dos valores no meio da tabela.

O automático tende a fazer fotos pela média e medíocres. Não explora os limites. O automático das câmeras não serve para fazer fotos realmente boas, e sim, evitar fotos demasiadamente ruins.

Mas por não pensar e realmente não entender a cena, não sabe julgar o que entra ou sai, o que deve ter mais importância na medição ou não. E assim pode fazer grandes erros.

A função do fotógrafo

A função do fotógrafo é pensar, planejar, julgar o que fazer etc. Não necessariamente seguir à risca o que o fotômetro da câmera diz, mas ainda acrescentar o seu julgamento. Olhar a cena e entender o que fazer, o que medir, o que focar etc. Também é saber quais limites explorar, e quando explorar. Não ficar só na média. Saber levar o equipamento ao limite. Ditar como o equipamento deve agir para obter o resultado desejado. Criar soluções quando atingir limites. Etc.

Zélia Duncan no Bourbon Festival Paraty 2012. A primeira coisa que pensei quando vi a roupa que ela usava, e sabendo que tinha um canhão de luz no fundo da plateia para iluminá-la, foi "Armadilha". Um amigo usou a câmera no automático sem flash, e a roupa ficou estourada, um branco chapado sem detalhes, em quase todas as fotos.

O fotógrafo também deve saber como enquadrar, como distribuir os elementos da imagem que está capturando, saber o momento de capturar a cena. Explorar os momentos, e até as luzes da cena. O fotógrafo tem que fazer a câmera captar mais fielmente possível o que ele quer, como ele quer.

Por estas que eu falo que quem usa o modo automático da câmera, e dispara sem pensar, não é fotógrafo de verdade.

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